A gente é mesmo muito bobo. Insistimos em inventar um ridículo rol de qualidades infinitas que almejamos na pessoa que escolhemos para compartilhar a vida. Qualidades essas que, na maioria das vezes, nem nós mesmos temos: cor do cabelo, posição política, séries favoritas, bairro onde mora, largura do ombro, filmes que já viu, livros que já leu, circunferência do quadril, tonalidade dos dentes. Blá blá blá.
Uma lista boba que sabemos que provavelmente nunca será concretizada. Mas, apesar de sabermos que nosso coração debocha dessas exigências, acho que elas não são de todo mal. E, desde que bem selecionadas, podem, de fato, aumentar a probabilidade de um relacionamento feliz. Além dos requisitos óbvios: não beliscar crianças/não chutar velhinhos/não matar pandas/não votar no bolsonaro/não tomar fanta uva, acho válido estabelecer uma ou outra característica como referencial.
E para mim, há uma característica realmente essencial: essa pessoa precisa estar disposta a cuidar de você quando você tiver uma hipoglicemia, ou uma hiper. Sei que não é a situação ideal para pensar num início de relacionamento, mas a longo prazo, isso pode sintetizar uma incrível capacidade de cuidar, de tolerar, de encarar, de amar. E eu não estou falando de hiperzinha, 200, enjoadinha. Tô falando de hiperglicemia das boas: vômito, enjoo, HI no medidor, tontura, dores abdominais, irritabilidade. Sério mesmo.
Encontre alguém que olhe para você e perceba que há algo de errado antes de você correr para o banheiro. Alguém que reconheça que aquele seu silêncio não é só um ar pensativo. Alguém que perceba que você não está na cama de madrugada e vá conferir o que está havendo. Encontre alguém que saiba diferenciar hipoglicemia de hiperglicemia, e que saiba o tratamento adequado para cada momento. Que grite uns “tudo bem aí?!” quando você demorar muito na cozinha. Alguém te leve um copo de água gelada depois de te ouvir vomitar e que tente sorrir para te mostrar que está tudo bem. Alguém que saiba te aplicar insulina ou glucagon se necessário.
Encontre alguém que, se não souber o que fazer, dê um Google, ligue para a mãe, procure soluções. Alguém que volte da farmácia e do supermercado com um monte de tralha. Alguém que compre chocolate, bolacha e sorvete para contornar a hipo: por mais que seja um baita erro, um erro bruto, mas que tenha tido a melhor das intenções.
Encontre alguém que deixe o telefone do seu lado para emergências. Alguém que não queira te deixar sozinho nesse estado, mas que se tiver que sair, fique com a cabeça em você. Alguém que cancele os compromissos do fim de semana, se acomode ao seu lado no sofá, coloque um filme e faça carinhos quando você ainda estiver enjoado.
Não procure alguém que te leve flores toda semana, que te dê presentes caros, que tenha um monte de diplomas pendurados na parede ou um cabelo incrível para transmitir para seus filhos. Se vier com isso é bônus, mas este não é o foco. Busque alguém que esteja lá por você. Alguém que olhe para você com carinho, ainda que você esteja cadavérico. E que mesmo no contexto mais desagradável, te arranque um sorriso cansado e te dê a certeza de que tudo vai ficar bem. Alguém que queira te abraçar mesmo quando você estiver inabraçável e que te dê a segurança de que o amor é muito maior do que a instabilidade glicêmica. O resto a gente ajeita.
Ficou show
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